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Folha do Jalapão

RIO SONO: Desidério Barros, pioneiro conta como ajudou na história do município

Postado em 17/08/2020

ESPECIAL: WHERBERT ARAÚJO

Aos 90 anos de idade, Desidério Barros atuou em diversas áreas de auxílio à saúde sem nunca ter tido formação superior.

Sempre com a proposta de contar a história das cidades por meio do depoimento dos moradores mais antigos, o Jornal Folha do Jalapão, traz em suas páginas e Portal a história de Desidério Barros de Melo, 90 anos, que já atuou como farmacêutico, prático odontológico, radialista, ajudante de pastoral, auxiliar de enfermagem e outros tantos ofícios.

 Durante algumas vezes, a reportagem do Folha do Jalapão foi abordada por um senhor de voz mansa, extremamente educado e pouco mais de um metro e sessenta de altura. Em nosso último encontro, já passava das duas da madrugada e Seu Desidério insistia em falar do seu legado. “Estou no fim da vida e queria contar a minha história”, frisava. Mas a conversa ficou para o dia seguinte devido o horário avançado. “Às 6 da manhã vou no hotel”, avisou ele.

 Às 6h42, a equipe de reportagem foi procurada pelo senhor no hotel onde estava hospedada. “Seu Desidério está lá embaixo esperando”, disse o recepcionista. Esta reportagem é apenas um relato do muito que ele já ensinou e ainda tem a nos ensinar. Uma vida cheia de histórias não caberia numa simples reportagem.

Muitas vidas numa só

Era primeiro de maio de 1970. O Brasil vivia o auge do “Milagre Brasileiro”, promovido pela ditadura militar, que aproveitaria meses depois até a vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo para difundir sua propaganda panfletária. Nas ondas do rádio, Roberto Carlos cantava “Jesus Cristo”, uma de suas mais famosas canções.

 Fugindo da perseguição do governo Castelo Branco, por ter se candidatado a prefeito em Tupiratins, o prático odontológico Desidério de Melo, então com 47 anos de idade, resolveu parar no pequeno povoado da “Barra do Rio” às margens do Rio Sono. “Meu pensamento era ir pra Lizarda. Aqui só tinham 38 casebres mal feitos. No dia que cheguei atendi 22 pacientes e realizei 43 extrações de dentes. O trabalho terminou noite adentro iluminado por faróis de carros”, afirmou.

 Percebendo a falta de profissionais e a necessidade da população por atendimentos básicos de saúde, o viajante resolveu firmar pouso no pequeno povoado. Casado por três vezes, o prático odontológico teve 18 filhos. “15 com registro e nota fiscal”, ele afirma. “Meu primeiro casamento não deu certo porque minha antiga sogra tinha uma língua muito venenosa. A segunda mulher me deixou e levou consigo uma filha. Andei por 52 cidades do Maranhão atrás dela. Já a terceira esposa me ajudou a criar oito filhos. Com ela tive os dois últimos. Estamos juntos há 41 anos”, afirmou.

 Além do ofício odontológico, seu Desidério afirma que fez muito serviço ortopédico em pacientes da região. “Emendei muita perna e braço quebrado. Nenhum paciente morreu sob os meus cuidados”, afirmou. Sobre a experiência em atendimentos odontológicos, ele afirma que aprendeu com um parente. “Quem foi que ensinou o primeiro dentista a trabalhar? Certamente ele não passou por uma faculdade”, lembra.

Sob o efeito do tempo

Passados mais de 30 anos depois de encerrar a profissão de prático, Seu Desidério ainda guarda cadernos de anotações com todos os atendimentos que realizou em Rio Sono. Tudo muito organizado com data, hora de atendimento, idade do paciente, mês e ano do procedimento realizado. “Mesmo com tanta dedicação, alguns moradores da cidade achavam que eu precisava trabalhar com as portas e janelas do meu consultório abertas, para que eles vigiassem o que eu estava fazendo. Nunca aceitei isso”, afirma.

 Religioso, ele também contribuiu para a formação de jovens e lideranças da cidade. Improvisando um sistema sonoro de comunicação, lançou em Rio Sono o primeiro programa de informações e aconselhamentos chamado “Voz da Amizade”. “Assumi o compromisso de cuidar do povo desta cidade. Tenho orgulho e felicidade em ter feito parte dessa grande história”, afirmou.

 Andando com dificuldade devido a 10 hérnias de disco na coluna que insistem em incomodar, Seu Desidério recusa utilizar equipamentos de suporte e ainda dirige pelas ruas da cidade. Cerca de sete anos atrás, foi acometido pelo mal de Parkinson, doença degenerativa que produz movimentos involuntários no corpo. Em Seu Desidério, a doença ainda não mostrou os sintomas mais agressivos.

 Tomando um café acompanhado de bolos tradicionais da cidade, a reportagem do Folha do Jalapão permaneceu por cerca de uma hora e meia na companhia deste ilustre cidadão riosonense. “Esta cidade hoje está muito bonita. Limpa e bem cuidada. Espero viver mais um pouco para acompanhar seu crescimento. Será que consigo?”, nos questiona. Seu Desidério, tanto a Folha do Jalapão quanto sua família e o população de Rio Sono esperam que sim.

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