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Folha do Jalapão

A fé inabalável das rezadeiras de terço de Aparecida do Rio Negro

Postado em 19/05/2020

HISTÓRIA vividas e contadas de nossa gente de Aparecida – Por Nayla Oliveira /ESPECIAL



A tradição não desapareceu ao longo dos anos, mas tornou-se mais rara.  Em nossa matéria especial, contamos a história de nossa gente aparecidense que tem ganhado força em mulheres que se dedicam à sua fé inabalável 

As tradições das rezas de terço são um verdadeiro patrimônio cultural em Aparecida do Rio Negro. As “rezas” que até hoje são realizadas no Município se consolidaram como verdadeiros eventos religiosos, que perpassam de geração em geração. Assim, com gratidão, devoção e muita esperança, mulheres de fé se dedicam a essa crença, que resultam em milagres e muitas histórias. 

E são algumas dessas histórias que contamos aqui, de pessoas que por algum motivo se devotam a um santo, e assim demonstram sua gratidão. Em Aparecida, as rezas são realizadas em diversas datas, e bastante freqüentadas pelos moradores. 

As reuniões se tornam momentos de confraternização, oração e testemunhos de fé. Cada um, ao seu modo, recebe moradores de todos os cantos da Cidade, algumas duram o dia inteiro e adentram à noite. 

Os terços são as principais orações das rezas, sendo que em algumas também são realizadas missas. Para os católicos, o terço teve início com a recitação dos 150 Salmos bíblicos. Pela dificuldade dos fiéis em decorar os Salmos, eles foram substituídos por 150 Pais-Nossos, que eram rezados (e contados) com 150 pedrinhas numa bolsa de couro e, mais tarde, com 150 nós em um cordão. O Rosário, que tem como significado “coroa de rosas”, já passou por diversas alterações até atingir sua forma contemporânea. Ao longo do tempo, surgiram orações de vários terços, de diversas devoções, tendo em vista a riqueza da história dos santos e os milagres que ocorreram por sua intercessão. 

*Aqui, iremos contar histórias de mulheres aparecidenses que se dedicam a essa tradição e buscam passar para as futuras gerações a dedicação para realização das rezas e das promessas pelas graças obtidas. 

MARICOTA: Uma história de devoção

A fé nas devoções é para as pessoas uma forma de chegar a Deus. A intercessão dos santos padroeiros se tornou algo forte, e se perpetua conforme a devoção e a dedicação. Assim vive dona Maria Maciel, de 75 anos, que já é personagem conhecida na Cidade como dona Maricota. Residente na Rua Piauí, chegou às redondezas em 1970, lugar em que construiu família e consolidou suas bases na fé e na religião. 

A devoção de dona Maricota se remete a São Lázaro, que é celebrado todos os anos em 11 de fevereiro. A devoção advém de uma graça recebida em 1986, em que ela remete à cura do marido, hoje falecido. “Em Buritirana, meu marido sofria muito de gastrite. Ele estava plantando uma roça, e fui levar uma merenda pra ele, ele estava passando mal, fiquei apavorada com ele assim e fiz um voto. Graças a Deus ele viveu muito tempo”, relata. 

Desde criança, ela conta que foi ensinada pela mãe a buscar forças em Deus. “Minha mãe era ‘rezadeira’ de terço, rezava para Santa Luzia em dezembro. Isso vem de nascença”, diz ela.

As orações em grupo são momentos de muita fé, em que amigos e famílias se juntam para rogar ou agradecer. Para dona Maricota é essencial continuar se voltando para Deus, em todas as situações. “Isso é importante para alimentar a fé. Nunca me arrependi de rezar, de fazer um voto, sempre, e se depender de mim sempre vou continuar enquanto vida eu tiver. Hoje tem muitas coisas que as pessoas vão saindo disso, mas eu não vou parar. Rezo sempre e vou continuar rezando”, comenta a idosa. 

As pregações e ensinamentos também fazem parte dos momentos das rezas, assim como os testemunhos que são contados por quem participa. Para quem gosta, o momento não é apenas de expressar jaculatórias, mas de demonstrar que a fé pode fazer milagres, basta acreditar. Neste aspecto, dona Maricota conta também que a igreja é muito importante. “É a igreja que acolhe a gente, e ensina do sagrado”, conclui. 

TEREZA: Uma história de Fé

Dona Tereza de Sousa Cruz é um exemplo de fé construída por meio da devoção. Apesar dos 72 anos, a mulher de fé resiste ao tempo e a todas as circunstâncias. Católica, e natural de Lizarda, se tornou aparecidense e é devota de todos os santos, como diz, mas com devoção especial a São Sebastião. “Aprendi rezar o terço com dez anos de idade, com minha mãe de criação. Convivia com ela que era rezadeira, e toda vida rezo”, disse. 

São Sebastião se tornou especial para ela após receber uma bênção. “Em 1987, naquela época dava aftosa no gado, e eu fiz esse voto com São Sebastião, que se não deixasse dar aftosa a nenhum gado nosso, eu disse que eu rezava por cinco anos. Eu trabalhava com o suor do meu próprio rosto para eu dar comida para o povo, e não deu a doença em nenhum gado. Recebi essa bênção e o santo da minha devoção é São Sebastião”, relembra. 

Por sua história, São Sebastião é considerado o protetor da humanidade contra a fome, a peste e a guerra. As rezas são eventos freqüentados por dona Tereza, que é sempre convidada a ajudar a recitar o terço. “Todo ano rezo o terço de São Sebastião na casa de dona Creusa. Eu gosto da preparação, fico animada. A gente se encontra com as outras rezadeiras amigas, é muito bom”, disse. 

Uma das preocupações da devota é o fim das tradições das rezas. “Daqui uns tempos quando a gente ‘bater as botas’ não vai mais existir isso. Muita gente também critica, mas não me importo. Ensino para minha comadre, ensinei para uma mulher de Bonfinópolis, para não acabar a tradição”, conta. 

Os momentos de oração também são importantes no cotidiano de dona Tereza, que conta que sempre se mantém em oração. “Também rezo o terço em casa, principalmente na quaresma, mesmo sozinha. No sábado de aleluia glorifico a Deus, agradeço pela ressurreição, que Ele morreu por nós. Tiro sempre um tempo para ler a Bíblia”, concluiu. 

NELSÔNITA: Exemplo de mulher que ora

Moradora há mais de 20 anos do Município, Nelsônita Pereira Leite, de 63 anos, é uma das principais rezadeiras da Cidade. A idosa tem como devoção, ‘todos os santos’, como diz ela, “além de Nossa Senhora Aparecida, mas minha preferência é São Lázaro. Faço a reza aqui todo ano dia 11 de fevereiro. Faço aqui no meu rancho, janta para o povo, merenda, almoço, sempre faço a noite, rezo terço, e quem me chama pra rezar sempre vou”, conta

Nelsonita testemunha milagres ao falar da devoção. “Já tive muito exemplos. Uma vez no Pará eu adoeci, estive na hora de morrer e me apeguei com São Lázaro, se ele me desse vida, que rezava todo ano. Naquela época, me carregaram na rede, parecendo defunto, e me apeguei com ele, e deu tudo certo”, conta

As rezas são passadas de geração em geração, e com ela não foi diferente. “É de berço, de minhas duas avós, de minha mãe. Ela rezava pro Divino Espírito Santo, e fui criada dentro de uma Igreja de São José perto de Pedro Afonso, e o terço também é de berço, e assim vai indo”, relembrou a idosa, que contou mais um milagre, que com muita fé foi clamado a Deus. “Eu bebia demais, um dia me ajoelhei ali e pedi a Deus, que se a bebida não tirasse minha vida, eu não bebesse mais. Nunca mais eu bebi. Também me livrei do cigarro, por que pedi muito a Deus que me ajudasse. Tem sete anos que parei e nunca me deu saudade”, emociona a senhora.

Os testemunhos contados por ela são uma forma de concretizar a fé para outras pessoas. “Deus sempre me livrou. Já ouvi anjos conversando comigo. Sempre sou avisada pelos anjos quando alguma coisa acontece com a minha família. Me apeguei também com o Divino Espírito Santo”, conta.

O exemplo de fé também se consolida com a intimidade com Deus. Nelsonita é conhecida na Cidade por sempre andar com o terço na mão. “Rezo todo dia em casa, não me aparto do meu terço, todo dia. Peço por minha saúde, minha família, filhos, neto, por vizinhos, amigos, que não deixe acontecer nada de ruim com nós. Sempre rezo com alegria quando me chamam, sempre vou”, finalizou. 

ANTÔNIA: Devoção que veio de berço 

O nome de dona Antônia Patrício Monteiro reforça a fé que a idosa de 73 anos tem em Santo Antônio. A moradora da Fazenda Boa Esperança, que fica a 6 km da Cidade, criou os seis filhos rodeados de muita fé. “Meu nome foi em homenagem a minha avó materna. Antigamente o nome da pessoa se tornava a devoção da pessoa, só que hoje não tem mais isso. Como as coisas eram difíceis aqui, tinha doença e tudo, me apeguei com Santo Antônio. E fiquei boa, graças a Deus. Continuei rezando, e me apeguei ao santo do meu nome”, conta a idosa. 

Ela aprendeu a rezar desde pequena, quando os pais tinham a mesma tradição. “Meu pai festejava Santos Reis. Aprendi rezar o terço por que ficava sempre prestando atenção. A gente ficava em uma região que quase não tinha rezadeira, era longe”.

Santo Antônio é sempre lembrado no dia 13 de junho. A reza na casa de dona Antônia é bem conhecida na Cidade, e a tradição surgiu com bênçãos que ela testemunha. “Comecei a rezar em 1985. Depois disso as coisas melhoraram pra nós. O primeiro ano que rezamos as coisas eram muito poucas. O almoço era fraco, nem farinha tinha. Depois, no ano seguinte, já tinha mais coisas. Com o tempo o povo foi aumentando também. Todo ano eu rezo, e esse ano com essa quarentena, nem que seja só a gente, nós vamos rezar”, relata.

Como contou dona Antônia, no ano que o marido faleceu o terço não foi rezado, e no ano seguinte a reza teve dois terços. A idosa conta que teve um milagre por meio do santo. “Tive um aborto, passei três meses perdendo sangue. Me apeguei com ele aí fiquei boa. A fé é quem cura, não adianta tomar remédio sem fé, se apegar com o santo sem a fé”. 

A preparação para reza segue um rito especial, que tem muita dedicação de toda a família. “Limpo tudo, os filhos ajudam, faço café, as mulheres fazem o bolo. A gente começa a rezar sempre umas 11 horas, porque minha promessa é de sempre até 12h ter rezado”. A idosa também se preocupa com o fim da tradição, e conta que procura deixar os ensinamentos com as pessoas que queiram aprender. “Sempre falo para muitos, aprendam rezar para não perder a tradição, quem quiser eu ensino”, conta.

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