ESPECIAL – Histórias de Aparecida do Rio Negro contadas por pioneiros
Postado em 12/05/2020
HISTÓRIAS vividas e contadas por nossa gente de Aparecida – Wherbert Araújo e Wenina Miranda –
Anônimos, ilustres, pais de políticos, trabalhadores rurais, homens de bem que com muito trabalho e coragem escreveram suas histórias na cidade que se prepara para comemorar 31 anos de emancipação política.
Existe um ditado popular que diz que “a história de uma região ou de uma cidade, deve, imprescindivelmente, ser contada pelo povo que lá habita”. Em homenagem ao aniversário de 31 anos de emancipação política do município de Aparecida do Rio Negro, que acontece em 1º de junho, o Jornal Folha do Jalapão, publica pela segunda vez, a história desses personagens que faz parte do cenário do Município, um deles, infelizmente hoje in-memória.
Ouvimos alguns pioneiros ilustres, moradores tradicionais da cidade. Gente que chegou ainda na primeira metade do século passado e, com muita coragem e determinação, ajudou a escrever a história desta linda cidade, portal de entrada da região do Jalapão.
Guardado na memória os fatos e as lembranças dessa história, José Ribeiro, Albertino Barros, Carlindo Rocha, Deocleciano Amorim, Euclides Alves e Francisco Lino ainda permitem recordar facilmente de como viveram seus pais, como criaram seus filhos e como ajudaram a construir o povoado de Meira Matos, hoje, nossa querida Aparecida do Rio Negro. Ouvindo atentamente cada pioneiro, pode-se destacar a luta e a dificuldade que cada um teve para chegar onde estão, desde a vinda do Piauí ou Maranhão no lombo de cavalo, até mesmo ter que trabalhar diariamente no sol escaldante para manter os filhos na escola.
Os nossos “pioneiros”, como são reverenciados pelo fato de terem sido os primeiros a chegar no nosso município, relembram do local escolhido para viver, onde a natureza era preservada e o rio com abundância de água, era uma riqueza para todos que aqui chegavam.
Humildes e trabalhadores, eram todos amigos e companheiros, tornando-se “compadres” à medida que os filhos iam nascendo e sendo batizados. Naquele tempo, uma viagem no lombo de um cavalo entre o Maranhão e Aparecida poderia chegar a 30 dias. Portanto, ao chegarem eram recebidos com carinho e as dificuldades e os sofrimentos da viagem eram substituídos por um sentimento de acolhimento e amizade.
Rotina
Todos os dias, depois que o sol “esfria”, quem passa em frente à Praça José Eurico Costa pode observar um senhor de feições doces sentado na porta da sua casa ou na porta da casa de seus compadres. No auge dos seus 85 anos bem vividos, o ex-vereador José Ribeiro de Araújo está disposto a trocar alguns causos de prosa com quem se propor a conversar.
O político
José Ribeiro de Araújo chegou à região em 1962 depois de uma longa viagem percorrida em lombo de animal. O viajante começou a trabalhar como vaqueiro em algumas fazendas, na época de sua chegada – lembra ele com orgulho – havia apenas alguns moradores, que vinham de muito longe em busca de melhorias. A primeira missa foi celebrada debaixo de um pé de manga, época que “Zé Ribeiro”, batizou o filho Raimundo Ribeiro e ingressou na vida pública. Ao lado da então vereadora Hilda Carvalho (in memorian), lutou por melhorias para o então povoado de Meira Matos.
O ex-vaqueiro e também artesão assumiu o cargo de vereador no município de Tocantínia, na década de 80. Lutando por benefícios para o povoado que ainda nem era emancipado, chegou a mudar de partido a fim de apoiar o então prefeito de Tocantínia, Valdemir Alves Campelo (Mucuim), para conseguir benefícios junto ao governador Henrique Santillo. Ao retornar de Goiânia, o vereador, em praça pública anunciou à pequena comunidade sua mudança de partido. “Meu pai entrou em acordo com o governador em troca da emancipação política de Aparecida, além da instalação de rede elétrica para a comunidade”, lembra o ex-vereador ex- secretário municipal da Agricultura, Manoel Luiz Barbosa Ribeiro (in-memoria), filho de José Ribeiro.
Para a esposa de seu “Zé Ribeiro, dona Faraildes Ribeiro, que também acompanhou a evolução da cidade e deu sua contribuição na construção da mesma, o passado representa uma grande vitória. “Todo salário de vereador, o “Zé Ribeiro” comprava coisa para o povo, a gente tinha que ajudar, naquele tempo não tinham a quem recorrer a não ser a ele”, conta sua esposa.
Seu Zé Ribeiro conta que ajudou na derrubada de árvores e abrir novas estradas no município. “A gente trabalhou muito, me lembro de capinar o dia todo no local onde agora existe essa praça chamada José Eurico Costa”, afirma.
O vaqueiro bom de prosa
Cinco anos antes, também chegava à região o vaqueiro Albertino Barros. Trabalhador rural natural de Riachão, no Maranhão, seu Albertino decidiu largar a lida na roça depois de muitos anos e partir com a família no ano de 1969 para o Povoado Meira Matos, com o objetivo de garantir o estudo para os filhos.
“Ajudei a construir a primeira escola da cidade. Para a construção carreguei pedras, puxei carro de boi com carga pesada, para que meus filhos tivessem a oportunidade que nunca tive, a de aprender a ler e escrever”, afirma emocionado.
De conversa agradável e contando com uma lucidez impressionante no auge dos seus 87 anos de idade, ele afirma que já foi convidado por diversas vezes a ocupar um cargo público. Função que sempre recusou devido à falta de estudo. “Minha vida sempre foi ser vaqueiro e tenho muito orgulho disso. Inclusive três filhos meus seguiram os meus passos e hoje também trabalham na lida com o gado”, afirmou.
Dono de uma boa prosa, seu Albertino é muito querido na cidade, onde passa maior parte de seu tempo. Sobre como ele vê a cidade de Aparecida do Rio Negro nos dias atuais, ele se emociona profundamente ao ressaltar que fez parte do surgimento e crescimento da cidade. “Sempre fui uma pessoa de muito trabalho. Nunca fui homem de passar vergonha nem de ficar envergonhado. Minha história está aqui nesta cidade”, afirmou.
O retirante fundador
Em meados da década de 50, as músicas de Luiz Gonzaga embalavam as rádios de todo o País com as letras tristes sobre a vida sofrida do povo nordestino em busca de água. Fugindo desta realidade, o piauiense Carlindo Vieira da Rocha, 88 anos, andou por um mês e quinze dias até chegar à região de Aparecida do Rio Negro, em meados de 1956. Aos 24 anos, ele tinha apenas uma certeza: precisava trabalhar, trabalhar e trabalhar.
“Quando cheguei, ganhei um pequeno pedaço de terra. Lá fui plantar arroz. Depois disso, fui pilar esse arroz e vender em Tocantínia. Com o resultado de tanto trabalho, consegui comprar minha fazenda”, afirmou.
De fala amigável e gentil, seu Carlindo foi um dos primeiros anfitriões da região, organizador de bailes e festas iluminadas apenas por luzes de lamparinas, estrategicamente instaladas na pista improvisada de dança em sua própria casa. “Para não haver confusão eu pegava um saco e saía recolhendo revólver, espingarda e facão das pessoas que chegavam à festa. O povo era muito animado, mas animação não combina com violência”, afirmou.
Mas engana-se quem pensa que seu Carlindo descansou depois de mais de 60 anos de trabalho. Com uma oficina de rapadura artesanal, ele afirma que toda a produção é comercializada na mesma cidade em que ele ajudou a fundar. “O antigo nome era Troca-Tapa. Eu ajudei a construir a nossa cidade. Minha casa foi escola, igreja e salão de festa. Cheguei a pagar para que os pedreiros fizessem os adobes que ergueram as paredes da primeira igreja”, afirmou. E para ajudar no crescimento de nossa cidade relembra, “para alojar o povo que chegava, eu dava pedaço da minha fazenda, que de pouco a pouco se transformou nessa linda cidade”, lembra.
O artesão
O artesão Euclides Alves Gregório (in-menoria), nos deixou, mas antes tivemos a oportunidade de registrar a sua história e valorizar esse pioneiro que muito fez pelo município…
A voz era fraca e os passos lentos agora precisam do auxílio de um andador. Natural de Corrente, no Piauí, desde muito cedo aprendeu o ofício que o acompanharia pelo resto da vida. Aos 16 anos aprendeu a fazer o primeiro par de sapatos. Dali em diante o dom de manusear couro usando tesoura e agulha só foi aprimorando e ele passou a fazer selas para os cavaleiros e amazonas da região. “Com três dias eu entregava uma sela novinha. Já fiz mais de duas mil. Preguiça eu nunca tive”, afirma satisfeito.
Ainda de acordo com seu “Euclidinho” como carinhosamente é chamado, ele chegou na região há quase 67 anos, em outubro de 1948. “Ajudei a construir escola, igreja e a trazer professoras para a nossa cidade. O que fiz, está feito”, ressalta envaidecido.
Seu Euclides recebia os visitantes com poucas palavras, mas sempre muito disposto a atender a todos. Se alguém puxa assunto, é certo ouvi-lo contar a relação com a família e o manuseio com o couro, o reconhecimento de seu trabalho o tornou uma referência na cidade.
O filho da terra
Nascido na região do Jalapão, o aposentado Deocleciano Batista de Amorim, carinhosamente chamado pelos moradores de “Seu Zome”, festeja com orgulho a alegria de ter formado todos os dez filhos em nível superior. Perdendo o pai muito cedo, ele está na região desde o ano de 1933. Com apenas seis meses de passagem pela escola, ele afirma que os ensinamentos da vida acabaram suprimindo os conhecimentos literários e acadêmicos.
Eleito vereador na primeira votação direta do novo município, sua primeira atuação como parlamentar foi agilizar a aquisição de um caminhão para auxiliar os agricultores familiares da cidade. Entre vários requerimentos apresentado na Câmara de Vereadores, seu Zome sempre tinha o olhar voltado para o homem do campo. “A gente que era da roça, sabia da necessidade os produtores, desde o trator para gradear a terra até o caminhão para transportar os alimentos”, conta.
Amoroso, ele ampliou a própria casa para acolher todos os filhos e os netos nos dias de festa e descanso. Pai do atual gestor municipal, Deusimar Amorim, seu Zome se alegra da cidade de coração e por ter encaminhado na vida todos os seus filhos. “Consegui formar todos eles. Quando o primeiro se formou foi ajudar a formar o outro e assim aconteceu até a formação do mais novo”, festeja.
“Minha cidade é muito bonita. Vivi a minha vida inteira nesta região. Hoje tudo está diferente. Até o povo está diferente. Mas eu me sinto muito feliz em continuar vivendo aqui”, afirma. Para o pioneiro, fazer parte da história de Aparecida é uma alegria difícil de explicar. “Hoje vejo o tanto que cresceu e como está bonita a cidade. Sinto uma satisfação enorme.
Aparecida está cheia de jovens, cheia de possibilidades de progredir, e isso significa que vai melhorar cada vez mais. E, nós pioneiros, ainda podemos contribuir, incentivando esses jovens e estimulando eles a batalharem por um município bom para todos”, lembra emocionado.
O religioso sorridente
Quem observa o aposentado piauiense Francisco Lino nem imagina que por trás daquela feição alegre e daqueles olhos festivos existe um corpo ainda com bastante disposição e saúde. Motivado e festeiro, esse pioneiro vive orgulhosamente seus 97 anos de idade. A vitalidade e o sorriso sempre aberto dão-lhe a impressão de uns 20 anos a menos.
Chegando à região de Aparecida do Rio Negro no ano de 1960, ele afirma ter sido também um dos pioneiros na construção da igreja local. “Sempre fui religioso e por isso contribuí na construção da nossa igreja”, afirmou. Muito católico o pioneiro conta que também vive rezando. “Rezo mais que padre. Já sou aposentado e tenho muito tempo livre então passo o dia e a noite rezando”, garante sorrindo.
Viúvo e pai de sete filhos, ele conta que a maior tristeza que teve desde que chegou nesse lugar, foi perder sua filha “Ríca”, e a maior alegria foi participar da posse de seu filho Suzano Lino Marques, como prefeito da cidade, na companhia de todos seus parentes do Piauí. Avô de 17 netos e bisavô de outros três, ele conta que nunca chegou a estudar. “Não sei ler, mas meus filhos tiveram a oportunidade que eu nunca tive, trabalhei muito para isso acontecer”, ressalta.
Frequentador assíduo das atividades sociais promovidas pelo município aos integrantes da terceira idade, seu Chiquinho como é conhecido, pratica atividades físicas, adora uma festa dançante e não dispensa uma boa cachaça. Com muita vitalidade afirma, “sou sadio, forte, vivo rodeado de amigos, minha família cuida muito bem de mim e isso me mantém alegre e feliz”, afirma.
Sob os cuidados dos filhos, ele já realizou o sonho de conhecer as praias cariocas, andar de avião, usar perfume importado e adora usar um terno alinhado. “Deus é muito bom pra mim”, afirma.
Reconhecimento
Cidadãos comuns, outros anônimos, alguns deles já receberam títulos condecorativos, outros não, alguns ingressaram na vida pública ou contribuíram para a trajetória política dos filhos, outros preferiram a discrição da vida pacata, mesmo assim, se tornaram ilustres. Homens guerreiros que no auge da maturidade vem nos mostrar, que o fortalecimento dos laços de amor e afeto das pessoas além da convivência, são as histórias contadas de pai para filho, de geração para geração, na luta de manter viva a memória coletiva de um lugar.
Só amamos os lugares que nos sentimos parte deles, onde também deixamos as nossas pegadas, o nosso legado e os nossos sonhos realizados. Nascido no município de Aparecida do Rio Negro no ano de 2001, o Jornal Folha do Jalapão juntamente com seu povo, comemora os 31 anos de emancipação política de nossa linda cidade, no dia 1º de junho.
Juntos, outra vez
O ser humano empreende uma caminhada, edifica uma história, deixa marcas por onde passa. Um dia será necessário partir. Com o tempo, a dor e a ausência causadas pela morte se convertem apenas numa forte saudade que aparece por causa de uma antiga fotografia, um velho baú de recordações, uma história relembrada ou um cheiro que surge do nada. A saudade é memória das coisas boas que ficam guardadas no fundo do peito. E, às vezes, aperta.
Em julho de 2016, recebemos com muita tristeza a informação da morte do pioneiro Adelson Luiz e lamentamos profundamente. Aparecida do Rio Negro perdeu a figura de um pioneiro incansável, que sempre encontrou formas de ajudar os que chegavam ao povoado Meira Matos.
A dor causada pela saudade foi mais forte. Vinte e cinco dias depois, a amada esposa Hilda Lino de Carvalho não suportou a partida do marido e também desencarnou. O casal partiu, mas deixou sua contribuição inegável para a construção da história de Aparecida do Rio Negro.
In memorian
Adelson Luís de Carvalho, pai de nove filhos é o maranhense que chegou à região de Meira Matos no ano de 1960 e casou com Hilda Lino de Carvalho, uma linda moça, que na época era cortejada por todos os viajantes. O casal fez da porta de sua casa, o banco principal da Praça José Eurico Costa, onde recebiam os viajantes, os compadres, os amigos, os forasteiros e todos os que sem destino procuravam abrigo.
Contador de histórias e observador da vida, o pioneiro hospedou em sua casa aquele que seria futuramente o primeiro prefeito de Aparecida do Rio Negro. “José Eurico era um jovem rapaz motivado e alegre, tinha visão de futuro e veio me perguntar se poderia ficar em minha casa até organizar um comércio aqui na praça. Dali nasceu uma grande amizade. Tornamos-nos amigos, compadres e tivemos a felicidade de batizar nossos filhos juntos”, nos contou certa vez seu Adelson.
Dona Hilda
Hilda Lino, ainda no início do casamento, tornou-se vereadora do município de Tocantínia. Um dia questionada pela vocação política ela afirmou: “essa inclinação para a política, devia ao esposo que era conversador e hospitaleiro. Eu apenas cuido com responsabilidade daquilo que Deus coloca em meu destino”, lembrava.
Muito antes de partir, o casal teve o privilégio de ver o filho Pedro Luiz de Carvalho se tornar prefeito da cidade que ajudaram a construir.
O Jornal Folha do Jalapão deixa sua homenagem nesta edição ao casal de pioneiros de Aparecida que, apesar de não estar mais entre nós, deixou seu legado e grandes lições de vida, de companheirismo e de amor.