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Folha do Jalapão

SEU MANOEL DA RUTH: O pioneiro que se orgulha da família que segue seu legado

Postado em 23/05/2021

O Jornal Folha do Jalapão volta a desenvolver uma série de histórias de pioneiros de Aparecida do Rio Negro nesta semana que antecede o aniversário do Município que completa 32 anos. Neste ano mostraremos novas histórias, já que nomes importantes para a fundação do Município já estão registrados em nossas páginas. E a nossa primeira história é com o pioneiro Manoel Maria Veloso (Manoel da Rutth), que tem uma biografia entrelaçada por feitos na esfera política.

ESPECIAL APARECIDA 32 ANOS

Escrever sobre a vida de seu Manoel da Ruth, 67 anos, não é uma tarefa tão fácil! Externar em palavras todos os sentimentos contidos em seu coração exige no mínimo, entrega e dedicação. É muito amor envolvido! Por isso, percorremos os 24 km entre Aparecida do Rio Negro e a Fazenda Serra Alta que está na região da Serra. Começamos assim a conhecer a história do pai de Claúdia, Leila, Mário, Maurisan e Marilon, e, esposo de dona Ruth Virgílio.

Carinho, valores sólidos e união familiar: o pai que criou sua família dentro de um lar cristão, é dono de um olhar calmo. Riso discreto e muita humildade! Seu Manoel tem 67 anos de idade e tem sua autonomia e identidade representadas no carinho e no respeito que recebe de seus cinco filhos, três homens e duas mulheres. Também tem alguns netos, com os quais têm contato sempre. Na mesa da casa do nosso entrevistado cabe todo mundo! É uma família que preserva na memória toda a sua história: a do pai coronel até a do “vô Nocencio” – como foram carinhosamente lembrados pelo seu Manoel.

“A história de minha vida foi construída com muita humildade, respeito e amor. Eu nasci ali no município de Tocantínia, onde casei e criei a família. Em 1982 eu cheguei aqui. E é aqui que todos os dias eu tiro leite para minha esposa, cuido do pomar e dos animais. Como já sou aposentado, pouco vou a Palmas, a gente prefere ficar aqui e aproveitar esse ar fresco, fim de tarde refresca bastante”, conta empolgado o pioneiro.

Seu Manoel não foi apenas um vereador, na caminhada da vida ele virou também dirigente da congregação Madureira na região. Ele conta que gosta muito do que faz, porque está fazendo o que a palavra de Deus manda. “Eu já fui vice-pastor também, mas hoje sou pastor, nós temos a congregação aqui na Serra”, diz satisfeito.

Fazenda

Seu Manoel mudou para a fazenda Serra Alta em 1982 e fala do amor que tem pelo local. “Aqui a gente conta com energia, internet, tem gado na porta, cachoeira, muitos animais no quintal, a gente tem o luxo de cidade grande. Vivemos numa paz muito grande. Antes a gente produzia até arroz, mas as coisas mudaram tanto que hoje o arroz no mercado está mais barato. No quintal não falta a mandioca, a banana e muitas outras frutas”, fala satisfeito.

É na fazenda também que seu Manoel divide os finais de semana com os amigos. “A casa sempre está cheia nos finais de semana, graças a Deus temos muitos amigos. Aqui temos uma cachoeira que é uma atração para o pessoal da região”.

Família

A família para seu Manoel é a base para tudo, assim como ele foi criado pelo o avô Nocencio, ele ressalta que faz questão de criar os filhos. “O amor, a compreensão e o zelo com os filhos sempre foi o mais importante. Eu recebi amor, e retribui aos meus filhos, tudo que pude ter”.

A família para seu Manoel é o pilar principal de sua vida. “Se não tivesse minha família a vida seria muito difícil. Minha esposa e meus filhos são tudo para mim. Eles são o maior bem que tenho na vida. Gosto demais da minha Ruth. Respeito ela demais, toda vida respeitei. Tenho os filhos como a base principal. Posso chamar qualquer um deles, para conversar sobre qualquer assunto, para me ajudar, eles estão prontos. Eu recebi carinho e criei meus filhos com o mesmo carinho. Amo meus filhos e netos”, conta orgulhoso seu Manoel.

“Olha, eu fui criado pelo meu avô. Perdi a minha mãe aos 6 anos de idade. Aí o meu avô materno foi quem me criou, e me criou com muito carinho. Ensinando a trabalhar. Ele era uma pessoa de condição fraca, mas me criou bem. Me colocou para estudar, mas eu tive pouco interesse. Perdi muita oportunidade por não valorizar o estudo”, conta.

Todo pai sente alegria ao ver que seus filhos encontraram uma boa direção. E para seu Manoel não é diferente. Ele se emociona ao falar dos filhos. “Sinto imenso orgulho de ser pai do Mário, Maurisan e Marilon, o mesmo sentimento tenho em relação às outras duas meninas”, afirma feliz.

Política

Em sua primeira participação na política, seu Manoel foi eleito vereador por Aparecida do Rio Negro com 101 votos. Foi reeleito com 93 e perdeu a terceira disputa, onde obteve 73 votos. Ele ingressou na política atendendo solicitações dos moradores da região da Serra. E dedicou seus mandatos buscando melhorias para a região. O pioneiro lembra das dificuldades da época, o Município tinha poucos recursos e maquinários para atender os agricultores e recuperar as estradas.

Seu Manoel traz a vocação política no sangue. Seu pai, o coronel Raimundo Cardoso, que disputou por duas vezes a vaga de deputado em Goiás. Manoel se lembra do pai com brilho nos olhos. Mesmo tendo sido criado pelo avô, se enche de orgulho ao mencionar o nome do pai que depois de muita dedicação profissional, se tornou coronel.

Se a lembrança do pai lhe trouxe alegria, imagina seu Manoel falando do avô, Nocêncio Veloso, pioneiro da região do Lajeado, que foi quem o criou. “O meu avô, pai da minha mãe, era muito esperto, não sabia escrever e nem ler, mas fazia política assim parecendo uma pessoa que tinha um grande conhecimento” conta orgulhoso,

Como vereador seu Manoel lutou pelas melhorias da região da Serra que hoje conta com um número bem maior de moradores. “A gente sabe que o prefeito pouco atende um projeto de um vereador, mas eu encaminhei vários. Meu primeiro mandato, o Zezinho Barbosa era o prefeito. O segundo já era o Suzano, as oportunidades que eu tive eu aproveitei todas, quando as máquinas chegavam aqui, eu passava o dia todo em cima delas com o motorista arrumando estradas, ganhando lapadas de pau na cara, mas isso me dava prazer”, relembra.

Seu Manoel conta que um dos maiores feitos como vereador foi quando o prefeito Suzano lhe deu a oportunidade de auxiliar na escolha de famílias carentes para serem beneficiadas com casas populares.

Em nossa entrevista seu Manoel sorria ao lembrar que em sua gestão de vereador passou por alguns aperreios. “Só para você ter uma ideia, quando eu fui vereador, o Paulinho era vereador também, aí formamos um grupo de vereador, e trouxemos uma pessoa para dar palestra sobre as drogas, porque já estava tendo muitos casos no Município. Um dia Paulinho chegou em mim e disse: seu Manoel aquela palestra está rendendo, tem uns moleques aqui me jurando. A gente era a comissão. Nós ficamos atados, não sabíamos o que fazer. Se nós continuássemos, podiam nos atacar a qualquer hora. Então, tem muita coisa que às vezes o político precisa recuar”, relata.

Seu Manoel conta ainda que sempre esteve ao lado do povo, e que não tem nenhuma casa em Aparecida que ele não possa encostar. “Sou bem recebido onde chego, sou respeitado. Sempre me convidam para entrar na campanha, para ser candidato, mas hoje eu prefiro ajudar de outra maneira”.

Primeiro voto

Na memória de seu Manoel está registrada cada presepada que viveu nesses 67 anos. Ele conta que nunca conheceu de perto nenhuma assombração, mas ele sorriu ao falar na primeira vez que foi votar. “Quase não dormia a noite esperando chegar a hora de dar meu primeiro voto, me lembro que foi para prefeito. Foi uma viagem longa de Aparecida a Tocantínia na carroceria de um caminhão. Eu estava ansioso. Para mim era muito importante aquele momento. A gente viajou por horas naquela estradona, aí veio um marimbondo e mijou dentro do meu olho.  Aí você pensa bem, chegar numa eleição com cara inchada? Pensei demais, como é que eu vou votar com o olho inchado? Resumindo, eu votei, mas pouco enxerguei o papel na minha frente, de tão inchado que ficou meu olho”.

Aparecida

Ao falar de Aparecida do Rio Negro, seu Manoel perde o olhar no tempo e respira fundo. “Eu vi Aparecida nascer. Eu me lembro das primeiras professoras, e uma delas era a Raimunda do Silvio, minha tia, irmã de minha mãe. Tem também a dona Madalena Carvalho, que foi a primeira. Naquele tempo eram poucas casas, eu saía lá do Município de Lajeado montado a cavalo para ir em uma festa em Aparecida. As festas já eram famosas naquela época. Era carroceria de caminhão, era a cavalo, mas eu não faltava a festa. Só que uma coisa era certa, não dava para arrumar namorada em Aparecida, porque era tão longe, que quando a gente voltava, os outros já tinham tomado da gente”, relembra sorrindo.

Aparecida se desenvolveu e hoje é vista com muito orgulho pelo seu Manoel que faz questão de mencionar que junto com o Município seus filhos também cresceram. “A gente contribuiu muito com nossa cidade. Mas, meu maior orgulho é acompanhar um filho meu contribuindo com esse progresso. O Mário já é secretário há muitos anos, a gente acompanha o serviço dele, e temos orgulho e gratidão a Deus por isso”, reforça o senhor. 

Para o pioneiro, Aparecida foi administrada por alguns gestores comprometidos com o povo, que trabalharam duro para transformar a cidade. O setor da saúde é mencionado pelo pioneiro como o maior destaque da cidade, ele afirma ter acompanhado as melhorias chegando. “Antes a gente tinha que ir a Tocantínia, Miracema ou Porto Nacional para uma consulta. Depois veio Palmas e as andanças continuaram por muitos anos. Hoje temos médicos todos os dias para nos atender. Aparecida está de parabéns. A gente espera que se desenvolva mais ainda. Acompanhei o crescimento dela chegando. Hoje temos uma história registrada para ser lembrada por nossos filhos e netos”, ressalta.

Vencer o câncer

A descoberta do câncer nos rins no ano de 1990 foi assustadora. Seu Manoel conta que passou por cirurgia e muitas quimioterapias, e que o processo não foi fácil. “Foram momentos terríveis, mas a gente conseguiu vencer pela fé em Deus e pelos bons médicos que estavam me acompanhando”, relembrou. “De tudo já vivido, lutar contra o câncer foi o maior desafio que já passei. Mas Deus foi tão bondoso que venci a doença”. Na época, ser diagnosticado com câncer era praticamente um atestado de óbito, por isso a vitória contra a doença é tão significante para ele.

Há mais de 30 anos seu Manoel vive com apenas um rim, pois teve que retirar o outro por causa da doença. Para seu Manoel, o susto tomou conta nos primeiros momentos, mas depois teve forças e vontade de lutar contra a doença. “Eu tive que ter força apesar de ter me abalado muito, mas a gente conseguiu superar o momento difícil”, explicou.

Sequestro

Na memória, a arma apontada na cabeça, o medo, o susto… passar pela experiência de um assalto ou um sequestro deixa marcas. Por outro lado, a felicidade de ter sobrevivido. Mas por muito tempo, existiram as lembranças e o medo da própria sombra.

Quem já esteve sob a mira de um assaltante e teve a sorte de hoje poder contar sua história, consegue entender seu Manoel.   Para ele não foi fácil. Não se passou da noite para o dia nem esquecido por completo. De acordo com ele, a violência deixou um frio na espinha quando se lembra do episódio, mas, com o tempo, ele passou a encarar a lembrança como um fato da vida.

Após realizar o sonho de comprar um carro novo, seu Manoel foi vítima de um sequestro. Em uma viagem a Goiânia, seu Manoel trocou o carro usado em um novo, realizando um sonho da família. Após ter uma noite de pesadelos e maus pressentimentos, seu Manoel resolveu buscar dona Ruth em Palmas de ônibus. Percorreu cerca de 5km a pé, ele chegou no asfalto onde pegaria o ônibus. “Eu estava lá, quando parou um carro e me chamaram pelo nome, perguntando se eu ia buscar a esposa.  Disse que sim e eles falaram: bora mais nós. Entrei no carro pensando que era um amigo. Foi aí que vi tudo diferente. O cara do lado meu colocou um saco na minha cabeça e me amarrou falando que o que queria era meu carro novo”, relembra triste.

Ao ser questionado pelos ladrões onde estava o carro, seu Manoel respondeu que estava em casa. E em alta velocidade os ladrões foram para Palmas buscar o carro. “Me colocaram em uma casa trancada e a noite me levaram para perto de minha casa que era na 82. O medo aumentava mais quando eles repetiam que o carro não estava na garagem. -O senhor tá fazendo pouco em nós, o carro não tá lá não?  Na hora só lembrei de dizer que a família tinha saído no carro para me procurar porque já era noite, na verdade o carro estava em casa, mas era na fazenda. Depois de alguns maus tratos, fui deixado pela manhã em uma estrada desconhecida e com um saco amarrado na cabeça. Para não dizer que estava pelado, me restava apenas uma calça. Após percorrer alguns quilômetros fui encontrado por um conhecido de Aparecida”, conta.

Finalizamos nossa entrevista com seu Manoel ao lado do curral que fica em frente a sua casa. O brilho de alegria nos olhos de nosso pioneiro, que ressalta a satisfação e prazer em ter nos recebidos em sua casa, nos comprova que nosso trabalho prestado ao povo de Aparecida do Rio Negro, também faz parte da história do Município que completa 32 anos.

Obrigada ao senhor Manoel Maria Veloso, o Manoel da Ruth!

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